Por Lucía Wasserman
Silvio Arruda era um escritor frustrado.
Diplomado em línguas e letras, vivendo em meio a intelectuais, sonhava ser um deles, escrever livros, tornar-se autor de fama internacional, com obras publicadas, seu nome reconhecido e aplaudido.
Seu grande problema porem, era a dificuldade de encontrar o tema a desenvolver em sua criação literária. Por mais que se esforçasse em busca de inspiração, isolado e fechado horas em sua sala de trabalho, a folha em branco continuava vazia. Iniciava o dia animado, cheio de ideias originais, mas na hora de colocá-las no papel, elas se esvaneciam. Então, uma total impotência o invadia.
Sua mulher era a testemunha dos gritos de raiva e dos palavrões que emitia, quando a frustração o castigava, e violentava a tranquilidade do lar. Acompanhavam os estalidos de quebras de objetos atirados ao solo, outros jogados contra as paredes.
Apos horas de isolamento e concentração fracassadas, deixava sua mesa de trabalho num verdadeiro caos, e saindo pela porta chutava raivoso «bolas» de papel amassado acumuladas, frutos de uma frustrante inspiração.
-Não se desespere Silvio, a Musa inspiradora é caprichosa, chega quanto menos você espera.
Não desista, insista, seja perseverante, aconselhava o velho tio Henrique.
Com tio Henrique, irmão de seu pai, é que Silvio procurava consolo, e recebia incentivo. Desde pequeno o considerava um segundo pai, e com ele tinha um relacionamento muito próximo, rico e afetivo, além dos dois repartirem entre si, hábitos e gostos em comum especialmente nas línguas e na literatura.
O tio solteiro vivia como ermitão, dividindo seu tempo em aulas de inglês, e escrevendo.
Como Silvio dizia, seus escritos eram «escritos de gaveta», ignorados, que jamais haviam sido lidos e publicados.
O tio se justificava. «Quando terminar minha obra, você será o primeiro a conhece-la…»
Curioso, os inúmeros pedidos de Silvio foram negados, procurava encontrar naqueles textos alguma inspiração.
E isto só lhe foi permitido anos depois, quando Henrique vitimado de um câncer fulminante veio a falecer.
Faleceu como viveu. Na sombra e no esquecimento que caracterizam a vida de uma alma modesta, obscura e humilde, que se apagou sem deixar herdeiros, marcas, ou lamentos em especial.
Silvio foi quem se ocupou de todos os tramites necessários que marcaram o fim honroso de uma existência que jamais fez mal a ninguém. Tratou da venda da casa, doou os velhos moveis, as roupas e os adornos que a completavam, desmontou a grande Biblioteca, e selecionou uma centena de livros para sua leitura.
Foi então que no sotom da velha casa deparou com uma grande caixa, e nela armazenadas três brochuras com os escritos do falecido tio. «Para serem lidos apos a minha morte», dizia o aviso em letras grandes e negras que cobria a parte dianteira da caixa.
Silvio surpreso não conseguiu conter sua curiosidade, e ali mesmo no escuro sotom começou a folhear as brochuras e ler o que elas continham. A medida que avançava se fascinava mais com os escritos. Não poderia jamais imaginar que por trás daquela personalidade de aparência, obscura, modesta e insignificante, se ocultava um excelente escritor. Como conseguiu enganar, e ocultar de todos a obra que havia criado?
E na surdina da noite, e das palavras, resolveu calar e nada revelar a ninguém. Apoderou-se do caixão, levou-o para sua casa, e em sua sala de trabalho, ate as horas da madrugada lia e devorava aquele material literário, uma verdadeira revelação a sua alma inquieta e frustrada, que ate então nada conseguira produzir.
Sua mulher estranhou seu comportamento. Horas fechado e concentrado em seu trabalho, imerso em seus pensamentos, felizmente sem os costumeiros gritos e acessos de raiva, ate mais calmo e sorridente.
Foi então que apos a leitura das três longas brochuras, escritas pelo saudoso Henrique Arruda, que Silvio resolveu publicá-las.
Tratava-se de tres obras literárias ricas, diversificadas, com enredos e protagonistas sui generis. Sem revelar o nome do autor, enviou-as a uma Editora conhecida e aguardou a resposta.
Tres semanas depois ela chegou. A editora se dispunha a publicar os tres livros, mas antes exigia assinar como autor um contrato de exclusividade, inclusive para as obras futuras, pois estava certa de que os livros seriam facilmente vendidos, e classificados como os Best Sellers do ano.
Silvio recebeu a noticia com enorme alegria e exaltação, e resolveu com certa dor de consciencia, revelar que o autor daquelas obras era ele mesmo, Silvio Arruda, ignorando totalmente a identidade do verdadeiro escritor, tio Henrique, que jazia em sua tumba, tranquilo e esquecido.
A publicação dos livros concomitantemente foi um êxito total.
-Onde se escondeu este grande autor, comentava a imprensa.
Silvio vivenciava agora aqueles momentos que tanto sonhara e almejava. A isto se seguiram entrevistas no radio, televisão, jornais, e o interesse de editoras estrangeiras de divulgar e traduzir os livros para várias línguas.
Silvio concretizou o sonho almejado e sua fama galgava os ápices das celebridades.
E para completar, um dos livros foi eleito como «The Book of the Year», por um Júri internacional.
Silvio tão agraciado, sorria, e também o mundo lhe sorria!
Mas a vida tem suas surpresas.
No auge das honrarias e comemorações todos são surprendidos pelas notícias de primeira página de um famoso jornal, que anunciavam em grandes letreiros que «O maior roubo literário dos últimos anos revelado». Os famosos livros publicados eram da autoria de Henrique Arruda, tio do falso autor Silvio Arruda. O falecido por precaução, havia depositado nas mãos de seu advogado Dr. Anselmo Aristides os originais das três brochuras, para que um dia, caso ele não estivesse seu representante legal as publicasse.
A fama e gloria de Silvio caíram por terra. De uma ascendência estonteante de um foguete explodiu no espaço, atirando e espalhando detritos e material no infinito.
A Editora ludibriada por sentir-se engada pelo falso autor apresenta perante a Justiça uma enorme demanda de Indenização pela queda de prestígio e demais prejuizos causados.
Silvio agora teria que se defender, enfrentar a Justiça dos homens e da Lei, isolado e recluso por muitos anos.
Teria então tempo suficiente para ler, escrever e redimir sua pena.
Será que encontraria inspiração entre as barras de ferro?