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Por Lucía Wasserman

Ninguém diria que um dia Udi e Mercedes viriam a se conhecer, se amar e se casar. O destino surpreende e tem seus meandros. 

Pessoas tão diferentes! O denominador comum entre ambos era terem chegado ao mundo e se criado em casas pobres e necessitadas. 

Udi, judeu mizrahi, baixo, magro, peso pluma, que não abandona o cigarro, feio como a necessidade… 

Mercedes, cristã, grande e pesada, cor de azeviche, tal qual Aunt Germina, diria a Dona Benta de Monteiro Lobato. 

E, numa manhã fria, chuvosa e escura de inverno, eles se cruzaram. 

Mercedes, sentada numa estação de Petah Tikva, esperava pacientemente o ônibus 82 que a levaria ao trabalho. Foi quando Udi chegou. 

Ao vê-la, pensou consigo mesmo, esta mulher, a estas horas matutinas… na certa imigrante ilegal e madruga para não ser apanhada pela polícia… 

– Posso sentar-me ao seu lado?  -perguntou, procurando proteger-se da chuva que agora caía forte e inclemente. 

– Bevacacha– respondeu Mercedes, no seu pobre hebraico. 

Olharam-se e sorriram um para o outro. 

O teto protetor da estação de ônibus não conseguia evitar que se molhassem. 

– Não quer se abrigar sob o meu guarda-chuva? -perguntou Mercedes-. Há espaço para dois. 

– Calculei que o tempo ia melhorar… Calculei errado… Bem, já que você oferece, não vou recusar. 

O vento e a chuva os aproximou, e, quando o ônibus chegou, Udi adiantou-se ao condutor e pagou as duas passagens. Sentaram-se lado a lado. 

Passadas algumas estações Udi desceu, despedindo-se e desejando a Mercedes um bom dia. 

Esta, com um sorriso, respondeu-lhe: 

– Não há porquê!  O mesmo desejo a você. 

Mercedes havia chegado há 3 anos a Israel e mal falava hebraico. Era brasileira, empregada doméstica e conseguiu visto de trabalho acompanhando sua patroa, D. Sonia, que fez Aliah com os filhos e suas famílias. Quando a patroa lhe propôs trazê-la consigo a Israel, viu neste convite uma chance única de viajar ao exterior e conhecer o mundo. Acostumada desde os 14 anos ao trabalho doméstico pesado e a comer o “pão que o diabo amassou”, gostou da ideia. Seria a maneira de acumular um dinheiro e no futuro construir sua casa própria. 

Viajar de avião, atravessar continentes, oceanos e salário pago em dólares americanos era a aspiração, o sonho de suas companheiras de trabalho e conhecidas. 

Mas nem tudo era um canteiro de rosas e aos poucos, se deu conta que caíra numa armadilha. 

Trabalhava 12 horas diárias, 7 dias por semana, e distribuía suas forças e energias entre a casa de Sonia e de seus 4 filhos, em lugares distantes e diferentes de Israel. Cozinhava para todos, lavava e passava e, nas férias, cuidava dos netos da patroa. Uma verdadeira escrava! 

Um dia, quis a providência que Mercedes pegasse a própria D. Sonia roubando a pequena contribuição que recebia do Seguro Nacional e, depois de discutirem e Mercedes tê-la chamado de ladra, foi expulsa do trabalho com sua mala e todos os pertences. 

Sem língua, sem dinheiro e sem rumo, Mercedes humilhada e ferida, perambulou pelas ruas de Rishon Letzion com sua carga pesada e foi parar na polícia. Seu visto estava em dia e, temporariamente, foi encaminhada e acolhida no alojamento da Naamat, que dava abrigo e proteção a mulheres prostitutas, drogadas e importadas pelos traficantes. 

Não levou muito tempo e encontrou um novo trabalho. 

De temperamento alegre e positivo, sendo boa cozinheira, passou a fazer parte da equipe de um famoso restaurante em Tel Aviv. 

Agora, se sentia livre e dona de seu destino. Comprou novas roupas, fez dieta, alisou o cabelo e começou a sair com as mulheres do abrigo. Russas, romenas e ucranianas. 

Seu hebraico foi melhorando e, às sextas-feiras, depois do trabalho, frequentava as discotecas da Rehov Allenby, tomava umas boas vodcas e dançava até o amanhecer. Aos sábados, dormia… 

E foi então que Mercedes conheceu Udi na estação do ônibus 82. 

Udi vivia só, era solteiro e sua família o havia abandonado e se afastado devido às suas passagens pela Polícia. 

Quando criança, sofrera muito, e as más companhias o incentivaram às drogas, à bebida e ao jogo. 

Trabalhava em obras como pedreiro; tinha excelentes mãos para tudo, mas uma cabeça vazia. Quando chegava ao final do dia, nada lhe importava a não ser seus vícios. Chegou a uma situação tal que a solução foi interná-lo num instituto de recuperação de alcoólatras. 

Depois de três anos, saiu parcialmente recuperado. Voltando para casa, se sentia tremendamente só e isolado. A única coisa que o movia era seu trabalho e o que ganhava era para cobrir antigas dívidas. Era sedento de amor, cuidados, atenção e carinhos. 

Os encontros na estação de ônibus de Petah Tikva se repetiram e as manhãs frias e escuras deram lugar às manhãs de sol, claras e quentes. Houve troca de presentes, saídas, carinho e sexo repartidos e promessas de amor. 

Mercedes sentia-se feliz. Lisonjeada, gabava-se diante das mulheres do abrigo. 

“Consegui um homem para mim!  Israelense e judeu”. Finalmente, depois dos 40 anos, iria se casar. Udi a mimava e dela cuidava. Mercedes o abraçava e o amassava entre seus dois volumosos seios. Seus dois filhos, já adultos, brasileiros, de pais desconhecidos, que viviam numa cidadezinha do interior do Brasil. Saberiam que, finalmente, sua mãe seria uma mulher casada! A vida lhe sorria e ela amava Udi e Israel. 

A família de Udi, indiferente todos os anos, houve por bem se manifestar: 

“Casar agora? Na sua idade? E com quem? Com uma ´goya´? E ainda mais preta?” 

Mas, Udi que, finalmente, encontrara alguém que se importava com ele, persistia nos planos de contrair casamento. E assim foi. Preparados e notarizados os documentos, voaram para Chipre e, perante a Prefeitura de Larnaca, foram declarados marido e mulher. 

Mercedes deixou o Abrigo e passou a morar na casa alugada de Udi. Viveram uma perfeita lua-de-mel nos primeiros 3 meses de casados, trabalhando e se amando. 

Até que Mercedes em meio ao seu trabalho, recebeu a notícia de que Udi havia caído do telhado de uma casa em reformas e estava hospitalizado. O prognóstico foi penoso. 

A fratura grave na coluna vertebral lhe impediria, daí para frente, o uso das pernas. 

Mercedes, com dedicação e paciência, o tratava e cuidava. A impotência total e a doença tornaram Udi um homem tremendamente violento. Frustrado, com o tempo, tornou-se intratável. O consolo foi novamente a bebida e o jogo. 

Mercedes abatida e solitária, voltou a encontrar-se com as velhas amigas do Abrigo. 

As noites nas discotecas da Rua Alemby se repetiram. 

Udi, no seu desespero, desconfiava da mulher. A ideia que Mercedes o traía com outros homens consumia suas entranhas e, mais do que tudo, o fato de desconfiar dela ter lhe enganado, encenado todo aquele amor e aquela dedicação com a única finalidade de conseguir o visto permanente e ficar no país… Nos seus pesadelos a via com uma túnica de seda transparente, dançando e provocando eroticamente homens com sua mini calcinha rendade e seus volumosos peitos e coxas, extravazando o limite das roupas espalhando carne sadia, desejo e abundância. 

Uma noite, Mercedes chegou tarde em casa, sua boca cheirando a álcool… 

Udi, num ataque de nervos, começou a gritar, agredindo-a na cara, chamando-a de prostituta. A um certo momento, moveu a cadeira-de-rodas, abriu a bolsa dela, pegou todo o dinheiro e, com uma tesoura, cortou em pedaçõs sua carteira de identidade provisória. 

Mercedes surpresa e furiosa foi em cima dele e começou a dar-lhe socos e puxar seu cabelo. Deixou-o caído e impotente no chão. Em seguida, pegando alguns pertences, sua bolsa sai furiosa de casa batendo a porta atrás de si, decidida a nunca mais voltar. 

O avião que trazia Mercedes de volta ao aeroporto de Viracopos, em São Paulo, pousou numa manhã fria e escura de junho de 2014. Desembarcou só. Estava só. Ninguém a esperava, e a ninguém havia comunicado que voltava ao Brasil. 

Ao entrar no ônibus que a levaria ao centro de São Paulo, o motorista notou aquela mulher que apesar de vistosa, estava profundamente abatida, atrás de óculos escuros que encobriam seu rosto cansado e sofrido. 

Mercedes sentou-se e olhando a janela notava o movimento da grande metrópole. Nada mudou, pensava, tudo igual como havia deixado há anos atrás. 

Voltava a sua terra natal, ao seu barraco. Aos seus filhos, que entrementes já eram homens adultos quase feitos. 

Sabia que teria de recomeçar tudo de novo, e não era fácil. Teria forças para isto ou estaria atolada na pobreza que tanto viveu e conheceu? 

Seu consolo foi pensar que, em algum momento a vida sim lhe sorriu, como se um raio de sol se intrometesse entre as nuvens cinzas e ameaçadoras daquele dia de chuva quando conheceu Udi. 

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