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Por Lucía Wasserman

Despertei-me assustada, sentindo que havia perdido a hora.

O despertador não tocou.

A luz do sol costumeira não penetrou através das estrias da janela, e senti que algo estranho havia acontecido.

Quiz mover meus braços e pernas, e senti uma forte pressão sobre mim, estava imobilizada dentro de um caixão.

A escuridão a minha volta era total. O silencio amedrontador e nem o cantar matinal dos pássaros conseguia escutar.

Abri os olhos. Tentei recordar. Pouco a pouco fui reconstruindo as últimas imagens e fatos.

Eu me encontrava na minha última e eterna morada.

Havia falecido há dois dias. Uma morte repentina, sem razão, sem motivo. Entre a doença e a morte, preferiria a doença. Mas a morte se precipitou.

Como dizem, foi a vontade de Deus, assim estava escrito. Chegou o momento de eu me apagar do convívio humano e terrestre, e navegar no universo e conhecer outros mundos.

O cortejo fúnebre ao som da marcha de Haendel me seguiu em silencio. La estavam meu marido, filhos, vizinhos, e um grande número de amigos e conhecidos, sérios, compenetrados, parte chorosos, caminhando sobre a terra seca e batida, e contornando as lápides erguidas.

A cerimonia foi singela. Laica. Sem Rabino e Maale Rachamim.

As vestimentas não foram cortadas. Algumas pessoas falaram sobre minha pessoa. Enrubeci, pelos elogios, senti-me contente, lisonjeada. Sobre a terra fresca que me cobriram colocaram uma linda coroa de flores, recordação dos amigos do trabalho,  aranjos de flores, rosas brancas. Minha vizinha trouxe um vazinho de violetas, outros colocaram pequenas pedras.

Minha solidão na nova morada, seria provisória. Ao meu lado, quando chegasse a hora, meu marido se uniria a mim. Decidimos que continuaríamos juntos, tanto em vida como na morte. O local previamente escolhido era bucólico, junto a um grande parque, cercado de árvores e flores.

Em pleno outono, quando anoiteceu, grossos pingos d’água umedeceram a terra seca e ainda quente, e uma brisa mesclada com o perfume das flores me envolveu.

Exausta, dormi o sono merecido, e ao despertar decidi reorganizar meu novo recanto.

Primeiramente organizar minha biblioteca. Meus livros me acompanham. Não tive coragem de deixá-los. Os livros que em vida, junto a minha cabeceira esperavam ser lidos. São tantos… e agora tempo é que não me falta.

Vizinhos a mim, jaziam amigos e conhecidos. Escolhemos a mesma morada. Ficaram surprendidos quando souberam que também eu havia chegado.

-Olá direi a eles, minha hora também chegou! Quero ver em seus rostos o espanto, principalmente das mulheres, que hoje livres e descomprometidas, saciam seus desejos e amores contidos.

São disputadas pelos homens que aqui, são a maioria.

Serei uma concorrente em potencial?

Comecei a me adaptar aquela vida tranquila e bucólica. Como não necessito, comer, comprar, preparar, tenho tempo de sobra, e me dedico a comunidade e a leitura. Passo horas desfrutando daquilo que em vida me poupei. E hoje de uma nova perspectiva vejo o quanto perdi, gastando meu tempo em futilidades que necessitava cumpri-las, mas longe me satisfaziam.

As noites nos reunimos no grande parque, e comentamos o mundo atual que deixamos.

Ele tinha se transformado. Complexo, hostil e violento, quando poderia ser tranquilo, sem ódios e disputas. Pensamos na nova geração e comentamos que havíamos vivido numa época melhor, apesar das duas Grande Guerras. O amanhã e uma incógnita, ele não pertence mais a nos.

Fui convidada a participar da Comissão Organizadora de Eventos, e lá juntei-me ao meu novo companheiro, Henrique. Éramos conhecidos há muito  tempo nossas famílias se frequentavam, e entre nos havia uma grande atração oculta. Agora estávamos livres e como dois pássaros voávamos rumo ao infinito, felizes e despreocupados, curtindo o novo amor de um antigo romance.

O Campo Santo como o chamávamos aos poucos foi acolhendo mais e mais moradores. Os religiosos se recusavam a pisá-lo declarando que era solo impuro. A nos pouco importava. Os enterros eram feitos com originalidade. Um deles o “festejou” com banda de música, outro com balões multicolores tal qual uma quermesse.

Uma lápide de mármore rosa com inscrições douradas me cobriu. As noites eu cuidava do meu pequeno jardim que me cercava e onde plantei flores silvestres. Meu marido era uma visita constante. Me contava dos problemas do trabalho, dos empregados, do mal comportamento da nora, do desemprego do filho, e do atrevimento dos netos, que o viam não como avo, mas um “Caspomat“.  Na minha geração as coisas eram diferentes” … dizia. Eu lhe desejava muita saúde, que se cuidasse, especialmente do colesterol e tratasse de perder a proeminente barriga, esperando que mais elegante e charmoso, encontrasse nova companheira.

As visitas a minha tumba com o tempo foram se tornando mais raras. Sem notícias dos familiares comecei a preocupar-me. Viajaram? Esqueceram de mim? Mudaram de cidade?

E foi então que numa bela manhã notei um movimento unusual em volta de minha tumba. Mediam o terreno, limpavam o mato, escavavam a terra e abriam um grande buraco. Fiquei preocupada.

Na manhã seguinte um caixão carregado pelos meus filhos e suspenso por duas alças foi colocado ao meu lado.

Um cortejo o acompanhava. Notei feições conhecidas.

Chegara a hora de meu marido, conclui em pânico.

E foi assim que pela segunda vez perdi minha liberdade. Afastei-me de Henrique. Voltei aos livros.

Li o que o poeta e escritor brasileiro Casto Alves escreveu:

“Oh bendito que semeia livros.

Livros a mão cheia

E deixa o povo pensar

O livro caindo na alma

É o germe que faz a palma

É a chuva que faz o mar.”

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