Há quinze anos, um fenômeno cultural abalou discretamente os alicerces de Israel ! Nasceu o nosso Sarau Literário. Criado por um seleto grupo de brasileiros — casais, viúvas e desempedidas— que resolveram, depois de décadas na Terra Santa, que o hebraico servia muito bem para o supermercado e a fila do banco, mas não para contar casos cabeludos da juventude.
Unidos por um amor incondicional à língua portuguesa — e talvez também por uma certa nostalgia do pão de queijo e do canto de cigarra — decidimos que a escrita seria nossa forma de manter viva a chama da brasilidade e, de quebra, um ótimo pretexto para encontros mensais e gastronomia regados a vinho, especialidades domesticas, e muita conversa fiada.
A mentora dessa epopéia foi Vivian minha amiga do Jardim de Infancia «Elvira Brandão»dos anos 40, de apos guerra, do século passado.
O passo seguinte foi escolher Marcos, advogado nas horas comerciais e escritor nas madrugadas insones, que logo foi coroado como “O Mestre”, título conquistado não por magia, mas pela capacidade única de corrigir nossos textos com rigor e elegância, sem jamais dizer que estavam ruins — apenas «com potencial de reescrita total».
Ele ditava os temas com a solenidade de um ministro da cultura, e lá íamos nós: munidos de papel, canetas esferograficas, computador (e às vezes dicionário), prontos para dar à luz contos, crônicas, causos e devaneios. A leitura ocorria sempre na casa de alguém, transformada por algumas horas em palco literário — com sofá confortável, chá de hortelã e, invariavelmente, um bolo que fazia mais sucesso que muitos dos textos.
Éramos doze. Doze autores, doze estilos, doze opiniões por texto — o que, para ser honesto, tornava cada reunião uma maratona crítica. Ruth, nossa matriarca, ex-médicaPediatra perfeccionista, escrevia com a precisão de quem já diagnosticou mil gripes infantis. Raquel, tímida, trazia os textos escritos à mão como relíquias arqueológicas. Anita (que agora descansa em paz), mas antes escrevia com garra) queria garantir que filhos e netos soubessem que a vovó tinha histórias. Varda era breve e certeira no seu portunhol — como telegrama. Ana era objetiva e afiadacom seu senso de humor; Riva nos levava a passeios pelo interior do Brasil, com os nomes dos protagonistas e o cheiro de café e pão na chapa. Eu com meu estilo de taller literário importado direto da América Latina. Vivian mergulhava no realismo fantástico, entre galinhas falantes e casas que voavam entre as nuvens. Júlia, Zezinho e Hinedi iam sem delongas direto ao ponto, sempre no prazo e no tema — como bons alunos aplicados.
Mas… aí veio o tempo. Ah, o tempo,que passa e os anos… esse editor cruel!
Passados quinze anos, o enredo mudou. Os contos rarearam, os temas ditados pelo Mestre pareceram raros, difíceis demais, e a inspiração resolveu tirar férias — permanentes. O grupo, que antes marchava firme, agora caminha devagar (alguns com bengalas, outros com rodinhas). Ruth trocou as escadas pela cadeira de rodas, e nosso Mestre — coitado — já não enxerga bem as vírgulas, nem os elogios escondidos nas entrelinhas.
Nos tornamos avós. Bisavós! E alguns de nós passaram a considerar que escrever um parágrafo é mais cansativo que subir Massada com moxila nas costas.
Mas resistimos. Ah, como resistimos. Continuamos nos encontrando, mesmo que seja só para lembrar que um dia escrevemos. E bem! O sarau virou mais um clube de sobreviventes da literatura, onde a memória é o tema principal e o riso — muitas vezes sem motivo — é a nossa nova forma de expressão artística.
O Sarau Literário talvez já não produza volumes e volumes de histórias, mas nos rendemos à deliciosa tragicomédia da vida: entre nostalgia e reumatismo, seguimos juntos. Afinal, se já não temos a inspiração de antes, ainda temos uma boa cadeira, uma xícara de chá, e sempre alguém para dizer: “isso dava um ótimo conto».