As peregrinações a Uman, na Ucrânia, têm se tornado um fenômeno religioso, cultural e social de grande relevância nos últimos dois séculos. O movimento de Breslev, fundado pelo Rabi Nachman (1772–1810), neto do Baal Shem Tov, fundador do hassidismo, consolidou em torno de si uma tradição espiritual profundamente marcada pelo fervor, pela alegria e pela busca da proximidade com o divino por meio da música, da dança e das orações carregadas de emoção.
Após a morte de Rabi Nachman em Uman, seus discípulos instituíram a prática de peregrinar ao seu túmulo, especialmente durante o Rosh Hashaná. O encontro anual se transformou em um marco da vida religiosa de milhares de judeus hassídicos, não apenas de Breslev, mas também de outros grupos em busca de espiritualidade intensa.
Hoje, as peregrinações carregam múltiplos significados: para uns, representam devoção e renovação espiritual; para outros, uma experiência comunitária que mistura religiosidade, festa e identidade cultural. No entanto, não estão isentas de controvérsias: críticas ao excesso de barulho, confrontos entre tradições religiosas e a vida moderna, além das tensões ligadas à segurança em uma Ucrânia marcada por conflitos armados.
O fenômeno ultrapassa o campo do religioso: tornou-se também um evento social que transforma Uman em uma espécie de cidade efêmera, com ruas tomadas por orações, cantos, barracas de comidas, encontros improváveis e até conflitos de valores. É nesse pano de fundo que se desenrola a história de Yossi — um jovem que carrega em si o dilema entre a obediência à tradição e a busca de seu próprio destino.
A Crônica de Yossi
Yossi tinha apenas 17 anos e já vivia entre dois mundos. Filho de uma família profundamente religiosa de Jerusalém, estudava em uma ieshivá tradicional, mas seu coração batia forte diante da ideia de servir no exército de Israel. Para seus pais, a decisão era um perigo: temiam que o contato com a vida militar o afastasse de vez da Torá.
Numa tentativa de dissuadi-lo, sugeriram uma peregrinação:
— Vai a Uman, Yossi. Respira a santidade do Rabi Nachman. Talvez lá encontres tua verdadeira vocação.
Relutante, ele aceitou. A viagem parecia, aos olhos dos pais, uma chance de salvar sua alma.
Chegando a Uman, Yossi foi envolvido por uma multidão de peregrinos. As ruas se enchiam de vozes que gritavam orações, danças frenéticas, vendedores de amuletos e histórias de milagres. Mas, em vez de sentir o calor da fé, Yossi sentiu-se sufocado. As rezas ensurdecedoras, os gestos exagerados, a busca coletiva por êxtase — nada o tocava.
“Será isso a verdade que busco?”, murmurava para si mesmo.
Na noite de Rosh Hashaná, incapaz de permanecer, Yossi fugiu. Deixou para trás a multidão, os cânticos, os apelos dos rabinos, e seguiu em direção a Kiev. A Ucrânia estava dilacerada pela guerra. Postos de controle, sirenes e ruínas compunham a paisagem. Em meio a esse caos, encontrou quem mudaria sua vida.
Foi salvo por Mikhail, um homem simples que lhe ofereceu abrigo. E foi na casa dele que conheceu Nina, a filha de olhos claros e sorriso tímido. Ela também tinha 17 anos.
Entre os dois nasceu um afeto inesperado. Conversavam longamente sobre medos e sonhos. Para Yossi, Nina representava liberdade; para ela, Yossi era o estrangeiro misterioso, de fala suave e alma inquieta.
O inevitável aconteceu: apaixonaram-se. E desse amor surgiu uma vida — Nina engravidou.
Desesperado, mas determinado, Yossi escreveu aos pais:
— Não posso voltar atrás. Nina será minha esposa. Ela se converterá ao Judaísmo. Esse é o meu caminho.
A notícia caiu como um raio na casa de Jerusalém. A mãe chorava, o pai repetia:
— Uma shikse? Como poderemos encarar a comunidade?
Ainda assim, Yossi permaneceu firme.
Meses depois, Nina chegou a Jerusalém, convertida segundo a lei judaica. Mas as sombras da intolerância a acompanhavam. Para muitos, ela jamais deixaria de ser “a gentia”, uma presença estranha dentro da comunidade.
Yossi e Nina, no entanto, não se deixaram abalar. Escolheram o amor e a vida em comum. Sonhavam em construir uma família sólida, educar seus filhos em paz, mesmo que o mundo à sua volta murmurasse dúvidas.
No silêncio das noites de Jerusalém, quando caminhavam juntos, Yossi recordava as palavras de Rabi Nachman: “Não existe desespero no mundo.”
E assim, entre a tradição e a rebeldia, entre a dor e a esperança, Yossi descobriu o verdadeiro destino de sua peregrinação: não o túmulo em Uman, mas o amor que floresceu em meio à guerra, e que, contra tudo e contra todos, insistia em sobreviver.
